terça-feira, janeiro 31, 2012

liberdade


Boris Vian



Sobre o umbral da tua morada
Sobre o assoalho reluzente
Sobre a caixa do piano
Escrevo teu nome

Sobre o primeiro degrau
Sobre o segundo e os outros
Sobre a porta do teu lar
Escrevo teu nome

Sobre as paredes do quarto
Sobre o papel viperino
Sobre a lareira de cinzas
Escrevo teu nome

Sobre a almofada os lençóis
Sobre esse colchão de lã
Sobre o travesseiro gasto
Escrevo teu nome

Sobre o rosto concentrado
Sobre as narinas abertas
Sobre os dois seios agudos
Escrevo teu nome

Sobre teu ventre de escudo
Sobre tuas coxas abertas
Teu mistério corrediço
Escrevo teu nome

Eu vim no meio da noite
Vim rabiscar tudo isso
Vim em busca de teu nome
Escrevê-lo
Com esperma.

Boris Vian, Escritos Pornográficos,
tradução de Heloísa Jahn

domingo, janeiro 15, 2012

el amor




En la selva amazónica, la primera mujer y el primer hombre se miraron con curiosidad. Era raro lo que tenían entre las piernas.

—¿Te han cortado?— preguntó el hombre.

—No —dijo ella—. Siempre he sido así.

Él la examinó de cerca. Se rascó la cabeza. Allí había una llaga abierta. Y dijo:

—No comas yuca, ni plátanos, ni ninguna fruta que se raje al madurar. Yo te curaré. Échate en la hamaca y descansa.

Ella obedeció. Con paciencia tragó los menjunjes de hierbas y se dejó aplicar las pomadas y los ungüentos. Tenía que apretar los dientes para no reírse, cuando él le decía: —no te preocupes.

El juego le gustaba, aunque ya empezaba a cansarse de vivir en ayunas y tendida en una hamaca. La memoria de las frutas le hacía agua la boca.

Una tarde, el hombre llegó corriendo a través de la floresta. Daba saltos de euforia y gritaba: —¡lo encontré!, ¡lo encontré!

Acababa de ver al mono curando a la mona en la copa de un árbol.

—Es así —dijo el hombre, aproximándose a la mujer.

Cuando terminó el largo abrazo, un aroma espeso, de flores y frutas, invadió el aire. De los cuerpos, que yacían juntos, se desprendían vapores y fulgores jamás vistos, y era tanta su hermosura que se morían de vergüenza los soles y los dioses.

Eduardo Galeano

Memoria del Fuego I: los nacimientos 

quinta-feira, janeiro 12, 2012

dois poemas para Thomas





acho que estamos loucos
e também não quero pouco
ardo num desmaio tonto
num desejo que te espera
apesar da primavera
das sombras e das feras


(1990)



quero bulir
na tua vida
abrir logo
tua camisa
rasgar a carne
que me convida
libidinosa
silente e
drástica.


(1990)


quarta-feira, janeiro 11, 2012

o amor distante


foto de Petr Lovigin


para Patricia


viver agora não é apenas o passar dos dias
pois tua voz e teu olhar transformam
todos os segundos em feriados

dias longos de repartir o bolo, abrir o vinho,
mesmo que tua boca ainda sorria
no eco dessa infinita distância

noites longas de sonhar o sonho
de finalmente te trazer para perto
onde teu gosto escorra doce

noites longas de rir o riso caloroso,
de falar contigo o dito e o não dito
e me silenciar no teu olhar de loba

e assim voltam os dias de inverno,
em que persigo tua sombra ausente,
em que me deito com teu perfume
e acordo no abraço de tanto amor.

Thomas Savéry

(tradução do francês de Patricia Smaniotto)

terça-feira, janeiro 10, 2012

após um tempo




Após um tempo,
Aprendemos a diferença subtil
Entre segurar uma mão
E acorrentar uma alma,
E aprendemos
Que o amor não significa deitar-se
E uma companhia não significa segurança
E começamos a aprender...
Que os beijos não são contratos
E os presentes não são promessas
E começamos a aceitar as derrotas
De cabeça levantada e os olhos abertos
Aprendemos a construir
Todos os seus caminhos de hoje,
Porque a terra amanhã
É demasiado incerta para planos...
E os futuros têm uma forma de ficarem
Pela metade.
E depois de um tempo
Aprendemos que se for demasiado,
Até um calorzinho do sol queima.
Assim plantamos nosso próprio jardim
E decoramos nossa própria alma,
Em vez de esperarmos que alguém nos traga flores.
E aprendemos que realmente podemos aguentar,
Que somos realmente fortes,
Que valemos realmente a pena,
E aprendemos e aprendemos...
E em cada dia aprendemos.

Jorge Luis Borges

segunda-feira, janeiro 09, 2012

Van Gogh’s Obsession with Sunflowers




The sunflower paintings of Vincent van Gogh could be called “Variations on the yellow theme”. Struck by many dark obsessions caused by depression, yellow was meant to illuminate van Gogh’s days. The psychologists could say that the painter clinched to this color in order to find the light that will draw him back from the darkness in his desperate moments.

The sunflower has a psychological affect that gives an impression of perpetual happiness. Therefore, these paintings seem timeless. Yellow and blue are the colors which, it seems bring the artists childhood and Dutch memories. It is a classic contrast of colors. This contrast gives profound emotions to the art: "The dome of the sky has an extraordinary blue; the color of the sunlight is that of pale sulfur, sweet and enchanting, as the combination between the heavenly blue and the yellow in Vermeer’s paintings. I fail to resume so beautiful," writes Vincent to his brother Theo.

Read the entire story on Van Gogh's infatuation with Sunflowers on the ArtCorner Blog: 
http://www.artcorner.com/van-goghs-obsession-with-yellow/

domingo, janeiro 08, 2012

poesiatoda IV


sigo teu sorriso
esse sorriso de início
esse jeito de delírio
teu olhar, colírio
no meu decote raso.
(1990)

Estudo de nu, Jean Ingres, 1801

meu olhar se transfigura
com o teu deleite
intenso e noturno.
abro meu corpo
e meu sexo exposto
é flor carmesim,
ainda aquecida
pelo sol
deste lado da Terra.
(1990)


Nu deitado, Modigliani, 1900

sábado, janeiro 07, 2012

poesiatoda III


a bela luz
da tua pele
me dá um branco:
esqueço tudo
e estremeço
no escuro.
(1990)


Male Nude (Bill Harris), George Platt Lynes, 1945


a noite traz uma melancolia
que entretenho e ponho
nas arestas do teu peito.
(1990)

sexta-feira, janeiro 06, 2012

keep trying

Cactus, by Sharon Weiser


you give yourself to someone this way -
full of midnight light and the gold dust of the road
but he finds you other, amidst the ruins
that could be Egypt, Greece,
could be Bikini Atoll
after they duped the natives

you have given him the wheel
and slid over to the side,
the humming motor still running on last chance Texaco,
and summer burning all around, turning the red cactus flowers
into dried brown fingers,
and he promises to take the curves gently,
to not turn on the radio,
to drive just till the top of the mountain,
to let you take over -
just where the clouds are gathering,
just where the lurking storm has shifted with summer fickle -
as if for the first time,
as if for the last try

miriam adelman

quinta-feira, janeiro 05, 2012

vera tarde


foto de Katerina Bodrunova

vera tarde folha sépia
do plátano
a bebida loira
o sorriso infame
do outro lado da mesa

e essa vontade
de virar pássaro
um leão, subir na mesa
e te engolir como num circo
estarrecer cada pessoa
com a asa encrespada do dragão
com a magia de uma bruxa

vontade doce
de que teu tigre
surja no teu corpo
e tire esse ar de desvario
e a claridade da tua pele
esses dourados e negros
e mistérios

vontade de que teu bicho
se aposse desse espaço
e morda o sol perene lá no alto
crave as garras nesses rostos
únicos e duros que nos olham
e ignoram nas águas mornas
do passeio público
em pleno meio-dia
de um sábado inexorável

vontade mesmo
de que no fim da tarde
minha mágica se dilua
reste apenas o teu desejo
e o meu desejo, intimidade
o gosto da tua boca
e o teu olhar perdido.

(1985)

quarta-feira, janeiro 04, 2012

vertigem




ah, que vertigem
que me dá
teu olhar de febre
teu tigre
me provoca a libido
vertigo
hitchcockianamente


(1985)

terça-feira, janeiro 03, 2012

les noms d'Oran - extrait


Debout devant les lions, de vrais lions de fonte éternelle ou bien c’était de bronze, entre les palmiers, avec à ma droite le Théatremunicipal et à ma gauche la Pharmacidurgence flanquée des deux grottes où cuvent les liqueurs et les métamorphoses j’eus toujours cette sensation singulière de venir-d’arriver. J’étais la voyageuse de passage dans une ville-maison-théâtre; aucun séjournement aucune répétition, nulle durée, n’atténuèrent jamais l’acuité  de mon abordement. Je fus toujours debout devant entre sur le pas d’un pays étranger le mien, à cause de tous ces mots-noms, cette faune, que je ne savais pas coucher sur le papier et qui m’enveloppait de forêts transparentes sonores. Oran fut toujours le livre avant l’écriture, tout prenait mot, et le mot était nom et les noms étaient les pièces précieuses d’une mosaïque mobile que je rassemblais et disposais sans cesse en combinaisons  nouvelles, comme à la plage je recueillais des nacres auxquelles je vouais un culte nombreux et précis.
    
Ce qui faisait le charme ensorcelant de cette bijouterie c’est que j’ignorais tout de la transcription. La langue qu’on ne sait pas écrire a une autorité magique. C’est elle qui me parlait, et à ses mots je voyageais. Je vivais dans un dictionnaire illustré vivant où le mot “cyclorameur” venait se poser à côté du mot “araucaria” et du mot “créponné” pour former des ensembles d’éléments intensément érotiques par contiguités incongrues et compatibles. (...) Ainsi vivais-je dans le sein d’Oran, baignant dans une dissémination de signifiants qui me bercaient et bouleversaient le coeur, j’étais dans cette langue intangible dans sa totalité fuyante rassemblée et que jamais je ne pus tenir dans ma bouche.

Ce n’était pas du français.

(Texte d'Hélène Cixous, Les Noms d'Oran)


 Hélène Cixous, par Martina Hynan



Diante dos leões, de verdadeiros leões de fonte eterna ou talvez fossem de bronze, entre as palmeiras, tendo à minha direita o Teatromunicipal e à minha esquerda a Farmácia-24-horas flanqueada por duas grutas onde repousam os licores e as metamorfoses, eu sempre tive esta sensação singular de acabar-de-chegar. Eu era a viajante de passagem em uma cidade-casa-teatro: nenhuma permanência nenhuma repetição, nenhuma duração, jamais atenuariam a acuidade de minha abordagem. Eu sempre estive de pé diante entre no patamar de um país estrangeiro o meu, por causa de todas essas palavras-nomes, esta fauna, que eu não sabia colocar no papel e que me envolvia em florestas transparentes sonoras. Oran foi sempre o livro antes da escritura, tudo tomava palavra, e a palavra era nome e os nomes eram peças preciosas de um mosaico móvel que eu reunia e dispunha sem cessar em combinações novas, do mesmo modo como na praia eu recolhia as madrepérolas às quais eu devotava um culto numeroso e preciso.

O que dava um charme enfeitiçante a esta bijuteria  é que eu ignorava  tudo da transcrição. A língua que não se sabe escrever tem uma autoridade mágica. Era ela que me falava, e em suas palavras eu viajava. Eu vivia em um dicionário ilustrado vivo onde a palavra “pedalinho” vinha se postar ao lado da palavra “araucária” e da palavra “creponar” para formar conjuntos de elementos intensamente eróticos por contiguidades incongruentes e compatíveis (...) Assim vivia eu no seio de Oran, banhando-me em uma disseminação de significantes que me embalavam e transtornavam o coração, eu era nesta língua intangível na sua totalidade fugidia reunida e que jamais pude manter na minha boca.

Não era francês. 

(Tradução de Patricia Smaniotto) 


H.C., par Jean-Marie Banier

segunda-feira, janeiro 02, 2012

os sonhos chegaram

 
 


Os sonhos chegaram. Ainda estrangeiros. Eu levei um tempo para acolhê-los. No começo eu os expulsava. No entanto são trabalhadores altamente qualificados. Mas eu temia fazer trabalhar os intrusos no escuro. É fácil demais. A gente dorme, a gente é salva, durante este tempo os anões mágicos contam as mil e uma noites. Quando eu comecei a cuidar deles tinha consciência de uma fraude enorme. Não sei em que momento me parecia roubar os tesouros. Eu era proprietária de uma mina, mas o que é que isso quer dizer proprietária quando se usufrui de um bem nem adquirido nem herdado? Eu sou proprietária de potências-outras que eu não controlo, que não me obedecem, eu tenho um exército de cavalos selvagens. Eu partilho com eles a fantasia dos direitos autorais. A bem dizer, eu os nutro. Minhas paixões, minhas tempestades minhas crises de cólera ou de desespero eis suas fontes e seus alimentos. Com frequência eles me dão uma mão quando escrevo. Às vezes um pontapé. Se estou cansada, monto num sonho, o primeiro que passa. Todas as construções, cenários fabulosos mobiliários e imobiliários, são eles. Eles têm toda a força e o humor que eu não tenho. Será que usei neste texto os serviços de um sonho? Eu podia mentir para vocês.
 
Entre os sonhos e eu acontece assim: eu os "escrevo" ou melhor anoto tão precisamente quanto for possível suas minuciosas aventuras. É uma arte e uma disciplina. Eu falarei disso uma outra vez. Do lado deles eles me escrevem. E eles me escrevem. Eles me escrevem cartas do meu estrangeiro. Eles me dão notícias de mim. Estas notícias trazem todas as datas da minha história. Assim fico sabendo por eles como os acontecimentos antigos e totalmente esquecidos estão em plena atividade nos meus bastidores. E eles providenciam entre eu e aqueles dos meus que passaram para o lado dos mortos até mesmo entrevistas nunca muito longas mas suficientemente potentes e extáticas para deslocar as muralhas das separações. Fazendo isso tudo e muitas outras operações miraculosas, posso dizer que eles me escrevem também. Eu sou o livro no qual eles guardam papeizinhos.


Texto de Hélène Cixous

Tradução de Patricia Smaniotto

CIXOUS, Hélène. "Le livre que je n'écris pas". 
In CALLE-GRUBER, Mireille; GERMAIN, Marie Odile (dir.),
Genèses Généalogies Genres: 
Autour de l’oeuvre d’Hélène Cixous. 
Paris: Galilée/Bibliothèque Nationale de France, 2006.

domingo, janeiro 01, 2012

heathcliffiana





teu olho meu olho
mesmo horizonte
naquele monte

de ventos uivantes. 


(1990)