terça-feira, dezembro 11, 2012

Miss Hitler




Inspirado numa carta astrológica

Era uma vez Miss Hitler. A senhorita em questão era pequena, baixinha, pernas e braços fininhos, cabelinho curto cor de rato, nariz de tucano, voz irritante que não se cansava de ecoar aonde quer que fosse. Tinha um gênio péssimo, daqueles de galinho de terreiro querendo provocar e mandar em todo mundo. Por isso, nas sombras, recebera o apelido de Miss Hitler, o que não era realmente de bom tom, já que, segundo consta, a moça tinha longínquo sangue judeu. Mas deixa pra lá. O que importa saber é que Miss Hitler não passava de uma menina mimada querendo chamar a atenção, embora ela acreditasse firmemente que era uma pessoa (?) forte e capaz de vencer qualquer oponente, não importa em que campo. Só para alimentar um ego que não tinha tamanho. Ela, como Herr Hitler, se achava invencível. Sabe como é, tinha uma incurável síndrome de superhero. É, você leu direito, sim. Superhero. Não super heroína, porque ela não era bem o tipo mais feminino do mundo. Na verdade, era meio andrógina, parecia um menino vestido de mulher. Ou uma menina com jeitão de machinho. Como pode ver, tinha problemas de identidade. Ou não, vai saber. Isso não seria nenhum problema se o machinho não perdesse nenhuma oportunidade de levantar os punhozinhos mequetrefres e a lingüinha afiada que não cortava nem cebola. Era um espetáculo incrível de se ver: aquela pessoinha praticamente inexistente querendo disparar no ar alguns jebs de esquerda (ela é canhota, coisa do demo, diriam os velhinhos que sentavam na venda para tomar cerveja e jogar general) e nocautear o adversário só com um olhar risível de adolescente rebelde. Só rindo mesmo. No fundo, no fundo, era uma revoltada. Tinha sido tão criticada pela própria mãe a vida inteira que agora disparava a língua viperina para criticar todos aqueles que a incomodavam com talentos, experiências e outros quetais que ela não tinha. Intimamente, ela também se criticava o tempo todo, mas jamais, jamais, permitia que o mundo a visse como não-menos-que-perfeita. Todo o problema da vida de Miss Hitler é que ela se acreditava nascida para brilhar. O Tempo lhe mostrou que não, que esse não era o seu destino. Mas não adiantava: ela batia o pezinho de criança (mimada) e exigia os privilégios de um leonino. Inútil: quem nasceu para caranguejo nunca chega a leão. Só lhe restava atacar quem estivesse em volta, na rua, no bar, na escola, no salão de beleza, na oficina de automóveis, em busca de uma mamãe substituta a quem gritar seus disparates. Felizmente ou infelizmente (depende do ponto de vista), sempre havia uma que caía inadvertidamente nesse teatrinho improvisado da sua grandeza e depois não sabia como escapar para as coxias e deixar no palco de segunda o bebê tirano com seus delírios de realeza e seus impropérios sanguinários de Rainha de Copas. Mas, no final, todas as mamães descobriam que não era assim tão difícil meter uma chupeta na boca de Miss Hitler. Bastava ignorá-la da maneira mais contundente. Sabe estátua de gelo? Pois é. Quem está louca para ser um sol brilhando no centro do mundo não suporta baixas temperaturas e tanta imobilidade. E, afinal, o jogo só tem graça (para ela) quando dois jogam, não é mesmo? Pois é, mais uma vez. Você tinha que ver quando isso aconteceu outro dia. O machinho-galinho arrastando acabrunhadamente seu paninho de consolo pelo terreiro, enquanto a mamãe da vez partia para todo o sempre, em direção ao boteco mais distante possível onde, ao lado dos amigos do peito, tomou uma cerveja estupidamente gelada. Nunca desceu tão redonda.