Inspirado numa carta astrológica
Era uma vez Miss Hitler. A senhorita
em questão era pequena, baixinha, pernas e braços fininhos, cabelinho curto cor
de rato, nariz de tucano, voz irritante que não se cansava de ecoar aonde quer
que fosse. Tinha um gênio péssimo, daqueles de galinho de terreiro querendo
provocar e mandar em todo mundo. Por isso, nas sombras, recebera o apelido de
Miss Hitler, o que não era realmente de bom tom, já que, segundo consta, a moça
tinha longínquo sangue judeu. Mas deixa pra lá. O que importa saber é que Miss
Hitler não passava de uma menina mimada querendo chamar a atenção, embora ela
acreditasse firmemente que era uma pessoa (?) forte e capaz de vencer qualquer
oponente, não importa em que campo. Só para alimentar um ego que não tinha
tamanho. Ela, como Herr Hitler, se achava invencível. Sabe como é, tinha uma
incurável síndrome de superhero. É,
você leu direito, sim. Superhero. Não
super heroína, porque ela não era bem o tipo mais feminino do mundo. Na verdade,
era meio andrógina, parecia um menino vestido de mulher. Ou uma menina com
jeitão de machinho. Como pode ver, tinha problemas de identidade. Ou não, vai
saber. Isso não seria nenhum problema se o machinho não perdesse nenhuma
oportunidade de levantar os punhozinhos mequetrefres e a lingüinha afiada que
não cortava nem cebola. Era um espetáculo incrível de se ver: aquela pessoinha praticamente
inexistente querendo disparar no ar alguns jebs de esquerda (ela é canhota,
coisa do demo, diriam os velhinhos que sentavam na venda para tomar cerveja e
jogar general) e nocautear o adversário só com um olhar risível de adolescente
rebelde. Só rindo mesmo. No fundo, no fundo, era uma revoltada. Tinha sido tão
criticada pela própria mãe a vida inteira que agora disparava a língua viperina
para criticar todos aqueles que a incomodavam com talentos, experiências e
outros quetais que ela não tinha. Intimamente, ela também se criticava o tempo
todo, mas jamais, jamais, permitia
que o mundo a visse como não-menos-que-perfeita. Todo o problema da vida de
Miss Hitler é que ela se acreditava nascida para brilhar. O Tempo lhe mostrou
que não, que esse não era o seu destino. Mas não adiantava: ela batia o pezinho
de criança (mimada) e exigia os privilégios de um leonino. Inútil: quem nasceu
para caranguejo nunca chega a leão. Só lhe restava atacar quem estivesse em
volta, na rua, no bar, na escola, no salão de beleza, na oficina de automóveis,
em busca de uma mamãe substituta a quem gritar seus disparates. Felizmente ou
infelizmente (depende do ponto de vista), sempre havia uma que caía inadvertidamente
nesse teatrinho improvisado da sua grandeza e depois não sabia como escapar para
as coxias e deixar no palco de segunda o bebê tirano com seus delírios de realeza
e seus impropérios sanguinários de Rainha de Copas. Mas, no final, todas as mamães
descobriam que não era assim tão difícil meter uma chupeta na boca de Miss
Hitler. Bastava ignorá-la da maneira mais contundente. Sabe estátua de gelo?
Pois é. Quem está louca para ser um sol brilhando no centro do mundo não
suporta baixas temperaturas e tanta imobilidade. E, afinal, o jogo só tem graça
(para ela) quando dois jogam, não é mesmo? Pois é, mais uma vez. Você tinha que
ver quando isso aconteceu outro dia. O machinho-galinho arrastando
acabrunhadamente seu paninho de consolo pelo terreiro, enquanto a mamãe da vez partia
para todo o sempre, em direção ao boteco mais distante possível onde, ao lado dos
amigos do peito, tomou uma cerveja estupidamente gelada. Nunca desceu tão redonda.