domingo, dezembro 11, 2011

il fallait souffler - o abismo


 Aurore sur Villefranche sur Mer, Jean-Bernard Michel


Não consigo dormir. Não consigo ir dormir. Ando pela casa como um zumbi, como um explorador de algo que não conheço. Eu sei o que procuro nos cantos escuros, no silêncio, no oco da noite. Eu sei, mas não ouso dizer em voz alta. Dizê-lo em voz alta, mesmo sem ser ouvida, seria uma confissão de abandono. De vazio instalado nos vãos todos há tantos anos.

Respiro. Suspiro. O cigarro soltando fumaça, as mãos ocupadas em escavar o abismo em meio às palavras. Respiro. E tudo é vazio, silêncio, a espera sem fim disso que não ouso dizer. Como se dizer fosse uma confissão de abandono. Ou loucura. Ou morte.

Os dedos latejam, tateiam, tentando encontrar em meio ao silêncio a carne que falta.

Ninguém sabe quem sou eu por dentro. No meu silêncio. Nesse silêncio estrangeiro, que é estrangeiro em toda parte, mesmo quando não há estrangeiro ao meu redor.

Ninguém me indaga em meu silêncio. Sou um fio cortado. A linha que me traça até o infinito, intocada. Um salto sem rede, invisível a qualquer olhar.

Onde está o que não ouso dizer?

Miro o abismo que me separa. Em duas. Três, infinitas partes desconexas, redes arrebentadas por dentro e por fora. Calmo como a morte, o silêncio que me envolve. Estou presa nesse silêncio, camisa-de-força dos meus desejos. Grito por dentro e ninguém ouve nem mesmo o sopro desse grito. Mudo. Como a morte, que é mais viva que o mundo.

Caminho sem sair do lugar. Dou voltas ao mundo e ninguém me vê. Sou meu próprio fantasma. E ninguém me vê. Nem eu mesma. Onde estou que não me escuto?

Não há dor, não há nada. Na verdade, o silêncio é tão imenso que nem a dor o atravessa. Sou autista de mim, indiagnosticada.

Vejo minhas mãos e elas não respondem ao que pergunto. Elas não podem responder sobre o outro que me falta. Pelo outro que não sei e sequer conheço.

Arrasto-me de quatro, pornógrafa de mim mesma, virando pelo avesso minhas entranhas como se fossem a pele fresca de um tempo outro.

Tudo que vejo é o sangue translúcido de um túnel não ultrapassado, trilha impressentida que ninguém alcança. Bebo o que sonho, o que desejo, e nunca nunca nunca me satisfaço. Porque bebo o vazio de uma ausência que me esmaga como um muro.

Que muro é esse que construí em torno de mim durante minhas ausências do mundo?

Petit trou que se esgarça como meia rasgada em meio à festa que não aconteceu.

(Villefranche sur Mer, Côte d'Azur, mai 2010)

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