domingo, dezembro 11, 2011

il fallait souffler - o limbo





Talvez ela contasse a história se alguém lhe perguntasse.

Talvez alguém pudesse lhe entregar a chave dessa porta fechada dentro do seu corpo.

Talvez alguém a levasse até a cena do crime para lhe mostrar o cadáver do que foi vivido e do qual ela é incapaz de se recordar.

Talvez houvesse uma saída se alguém pudesse ver através dela quando ela se senta no banco da frente do ônibus, com suas sacolas de compras, fingindo que é uma pessoa normal, sem nenhuma história, sem nenhum segredo, uma pessoa sem passado como todas as outras que viveram.

Poderia ser o garoto com o patinete, cabelos descuidados, que desce logo à frente. Poderia ser o motorista, enquanto olha pelo retrovisor em dia de greve. Poderia ser a menininha que fala outra língua, incompreensível, e tem os olhos pintados com lápis e rímel. Poderia ser até mesmo o homem bonito que nunca a vê porque ela é invisível aos olhos do novo, agora que o tempo não caminha mais ao seu lado retardando o passo.

Mas não há ninguém. Ela tem vivido invisível como um fantasma vindo do outro lado do oceano. Um fantasma estrangeiro. Ela é invisível mesmo à luz do dia, ainda que seja primavera e tudo brilhe sob o sol.

Ela parece ser feita de ausência, mesmo que esteja presente. E ninguém lhe dirige a palavra. Ninguém a não ser aqueles que estão mais perto da morte e já enterraram o desejo que um dia vibrou.

Ela olhou para o lado tempo demais. E quando voltou a encarar o futuro, ele já era passado. As veias finas em seu corpo eram testemunhas desse passo em falso. Não havia mais o que fazer. Talvez esperar que alguém a visse num vislumbre entre os tempos, nesse limbo onde ela teima em ficar de pé, sem ir para a frente ou para trás.

Ela deixa o telefone tocar, sabendo que quem está do outro lado da linha tem uma imagem irreal de quem procura. Ele já tocou 22 vezes em uma semana, mas ela continua irredutível. Talvez ela devesse atender e trazer para seu silêncio o corpo que não conhece. Talvez ele acendesse fogos, talvez iniciasse uma fogueira. Talvez o mar logo ali se levantasse, cobrisse todas as casas e a alcançasse enquanto abria a porta da sua invisibilidade a um desconhecido. Talvez ela se afogasse como um suicídio.

Talvez ela apagasse a luz e conseguisse dormir em meio a tanto barulho no escuro.

(Villefranche-sur-Mer, Côte d'Azur, mai 2010)

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